
O enigma de Odete Roitman: quando a ficção reflete os dilemas do Brasil real
O que realmente “matou” Odete Roitman foi seu segredo. Décadas depois, a pergunta volta à cena nacional: qual o segredo de Odete Roitman?
O nome da vilã mais icônica da teledramaturgia brasileira voltou ao topo dos assuntos mais comentados nas redes sociais, nos portais de notícias e até nos mecanismos de busca. Odete Roitman ressurgiu com o remake de Vale Tudo, atualmente exibido pela TV Globo. Se no passado a questão que mobilizou o país era “quem matou Odete Roitman?”, hoje o foco se desloca para um novo mistério: qual é o seu segredo?
Essa mobilização em torno de uma personagem fictícia, tantos anos após sua estreia, é mais do que simples saudosismo. Ela evidencia o poder duradouro da arte e das narrativas que, embora ficcionais, continuam tocando em feridas sociais ainda abertas.
A personagem e seu novo segredo
Odete Roitman, interpretada originalmente por Beatriz Segall em 1988, encarnava a figura de uma elite autoritária, cínica e moralmente questionável. No remake, a atriz Débora Bloch atualiza a vilã, preservando seu lado cruel, mas conferindo-lhe novas camadas de sutileza e complexidade. A grande reviravolta da nova versão é o segredo que a personagem esconde.
Na adaptação de 2025 de Vale Tudo, o mistério foi revelado ao público em 3 de junho de 2025, já na reta final da novela — uma tradição herdada da versão original, onde as grandes revelações também ocorriam nos capítulos finais.
A autora Manuela Dias optou por uma estratégia diferente: antecipar a revelação do segredo, construindo uma nova tensão em torno das consequências do passado da personagem. O enredo envolve um episódio trágico que Odete tenta manter oculto, com a ajuda de Nice — personagem que detém informações comprometedoras.
A mudança foi bem recebida pelo público e gerou grande repercussão nas redes sociais. A antecipação da revelação ajudou a manter a audiência engajada e reforçou a relevância da obra na paisagem da teledramaturgia nacional.
Atualização de um clássico
A pergunta central da novela de 1988 — vale a pena ser honesto no Brasil? — continua tão atual quanto antes. A autora Manuela Dias comentou:
“A gente vive num país onde a corrupção não está resolvida”
(Veja, 22 de maio de 2025: veja.abril.com.br)
Segundo ela, os dilemas estruturais do Brasil pouco mudaram desde o fim da ditadura. A persistência dos mesmos conflitos morais e sociais confere à nova versão uma surpreendente atualidade — talvez mais necessária hoje do que no passado.
As ciências sociais e o fascínio pelos personagens que amamos odiar
O antropólogo e colunista da CBN, Michel Alcoforado, tem se debruçado sobre o fenômeno do encantamento crescente por vilãs como Odete Roitman, Carminha e Nazaré Tedesco. Em artigo publicado em sua página no LinkedIn, ele observa que, no passado, o público rejeitava essas figuras, mas que hoje muitos se identificam com elas.
“Queremos ser bons, mas também queremos dizer o que pensamos sem filtro”
(Michel Alcoforado, LinkedIn)
Alcoforado atribui essa mudança à transformação cultural dos últimos 15 anos — marcada pela ascensão do politicamente correto, pela valorização da diversidade e por uma crise de identidade. Na visão dele, personagens como Odete Roitman verbalizam desejos e opiniões que muitos preferem calar, seja por medo de julgamento ou por exigência de conformidade social.
“Esse movimento revela muito sobre o espírito do nosso tempo, os desejos contidos, a vontade de pertencer sem abrir mão da autenticidade” (Michel Alcoforado, idem)
Em sua coluna na rádio CBN, Pra Onde Vamos?, o antropólogo reforça essa leitura:
“As vilãs dizem aquilo que a gente não pode mais dizer. E a gente adora isso”
(CBN, maio de 2025: instagram.com/reel/DKZjnpfOWZv)
Em episódio recente do podcast Pra Onde Vamos?, apresentado por ele na CBN, Alcoforado aprofunda a análise sobre o fascínio atual por essas figuras. Segundo ele, vilãs que antes eram detestadas hoje são admiradas porque representam a sinceridade em um mundo que cobra cada vez mais filtros.
Para quem quiser ouvir o episódio completo, ele está disponível nos principais tocadores de podcast.
Um retrato que resiste ao tempo
A revelação do novo segredo de Odete teve forte impacto. De acordo com o portal Notícias da TV, o capítulo exibido em 3 de junho registrou 28 pontos de audiência na Grande São Paulo, o maior índice desde a estreia do remake (Notícias da TV, 30 de maio de 2025: noticiasdatv.uol.com.br).
Além disso, dados do Google Trends mostram um pico expressivo nas buscas por “qual o segredo de Odete Roitman” entre os dias 27 de maio e 2 de junho de 2025, sinalizando o interesse nacional reacendido pela personagem.
Afinal, o que nos atrai em Odete Roitman
O segredo de Odete Roitman revela mais do que uma trama de novela: escancara o Brasil que ela representa — um país onde o poder se sustenta por meio das aparências, da exclusão e da arrogância de uma elite que se considera acima da moral pública.
A novela volta, mas os dilemas persistem. E, como alerta Michel Alcoforado, talvez o sucesso dessas vilãs diga mais sobre nós mesmos do que gostaríamos de admitir.